Sobre a polêmica da censura sobre biografias não autorizadas.
Do site da revista Carta Capital
Por Maurício Dias
Por que no século XXI a agenda do debate intelectual
brasileiro tornou-se, neste momento, um tema (a censura às biografias) com bafo
medieval constrangedor?
Essa imposição, contestada em ação no Supremo Tribunal
Federal, estaria juridicamente ancorada em artigos inscritos no grotesco e
confuso Código de Processo Civil.
Movimentam-se a favor dessa força estranha alguns dos maiores
artistas, liderados pelo cantor e compositor Roberto Carlos (denominado Rei),
no reino da permissiva música popular brasileira. Muitos deles, anos atrás,
andavam à procura da imprensa para atingir o estrelato. Buscavam aliança com um
diabo chamado mercado e ofereciam a privacidade da vida pessoal pela
popularidade da vida pública.
Fizeram fama, deitaram na cama e, agora, acham-se ameaçados
por qualquer biógrafo que se interesse pela vida deles. Isso significa,
necessariamente, reação à liberdade de criticar e de apontar as contradições
que nos tornam seres humanos e não deuses.
Teria a sociedade brasileira em geral, por traço do caráter,
a vocação do elogio e a reação à crítica?
Os dois polos se tocam. Joaquim Nabuco (Minha Formação)
percebeu que na história do País “não há lugar para o inferno”. Outro
pernambucano, Osório Borba (A Comédia Literária), embora com projeção
intelectual mais modesta, sentenciou com coragem que este pedaço dos trópicos
seria “o paraíso da unanimidade compulsória”.
Borba mirou e acertou no alvo: “Não haveria de ser à toa que
a primeira página escrita sobre o Brasil foi um hino às maravilhas, às belezas
e riquezas da terra virgem”.
Plantaram por aqui muitas bobagens. Uma delas é repetida de
boca em boca pela maioria dos críticos: a crítica construtiva. Ora, diabos!
Crítica é boa ou ruim se a referência foi a consistência do que é dito ou
falado.
Isso tem mudado aos poucos, muito lentamente, como é comum em
histórias puxadas por uma parelha de cavalos.
Não nos livramos ainda da vocação para o elogio, como expõe o
debate sobre a censura às biografias que ocorre agora. Isso traz à lembrança a
precisão do jornalista Nirlando Beirão, em texto publicado por CartaCapital,
ao qualificar a biografia do empresário Roberto Marinho, escrita por um dos
empregados dele, como sendo um exemplo clássico de canonização. Um caso exemplar
de hagiologia.
O autor que se ajoelha diante de familiares em busca de
autorização para uma biografia qualquer está atrás de vantagens concretas.
Ninguém depõe contra si mesmo. O criminoso tem o direito de
não se incriminar. O biografado prefere esconder os pecados. A atitude é
similar.
Biografia autorizada é uma farsa. No Brasil ganha dimensão
absurda.
Esse é mais um indício estrutural da fragilidade da crítica e
da autocrítica no País. Os dois conceitos são inarredáveis em sociedades
modernas. Por aqui, esses valores são trocados pela modernidade como ocorre com
os estádios de futebol, rebatizados de arenas. Todos seguem o rigor do “padrão
Fifa”.
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